Extremismo de direita e a naturalização da barbárie
- Luís Fernando Assunção
- 9 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de fev.
O retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos está atiçando os extremistas de direita em todo o planeta. Parece que o trumpismo pode ser o almágama para uma aliança entre a extrema-direita especialmente na Europa, onde consolidam-se lideranças em praticamente todos os países. Há um claro entusiasmo entre os populistas europeus, como Viktor Orban, Giorgia Meloni, Marine Le Pen, Geert Wilders ou mesmo André Ventura – que em Portugal ainda luta contra os próprios escândalos para deslanchar. Essa turma está classificando a eleição como uma vitória das suas ideias, o que está levando a um endurecimento de sua retórica.
O discurso é sempre o mesmo, mas que parece aos poucos ganhar adeptos por toda a União Europeia. Eles estão unidos em um discurso contra a imigração, de ataques aos direitos das minorias e na imagem de um líder forte – e porque não, autoritário. No entanto, essa pretensa aproximação entre a América e a União Europeia pode vir a revelar-se puramente ideológica. Está claro que Trump pretende, acima de tudo, defender os interesses norte-americanos e não os dos aliados.
Mas mesmo assim, há benefícios para os extremistas de cá com a vitória do trumpismo por lá. Existe uma influência nos eleitores europeus que acreditam na normalização do discurso de ódio e xenofóbico da extrema direita. É uma espécie de naturalização da barbárie, onde os discursos pregam desde a refutação da imigração até a um retorno ao patriarcalismo antigo da sociedade europeia. Essas falas aos poucos começam a ter espaço nas redes sociais e até na mídia tradicional, reverberando em milhões de vezes o que esses líderes extremistas costumavam disseminar apenas nos palanques e a uma pequena claque de ouvintes.
Mas afinal, qual é o plano dessa gente? Talvez possamos responder, sem antes primeiro tentar delimitar as diversas linhas desse extremismo na Europa. No Parlamento Europeu há grupos voltados para a direita e que são comumente chamados de extremistas da direita, embora apresentem diferenças cruciais entre si. Isso porque os rótulos de direita radical, direita dura, nacionalismo, populismo e conservadorismo se cruzam, às vezes até confundindo-se na definição dos movimentos. Existem pelo menos três movimentos formados que caminham à extrema-direita: Patriotas pela Europa, Europa das Nações Soberanas e Conservadores e Reformistas Europeus.
O mais extremista deles é o Europa das Nações Soberanas, e também o mais recente e menor grupo parlamentar. A Alternativa para a Alemanha representa mais de metade dos 25 membros do grupo. A ele juntaram-se também uma parte da Confederação Polaca e deputados búlgaros do partido pró-russo Renascença. É possível dizer que nesse espetro político as ideias nem sempre respeitam a chamada democracia parlamentar e contém traços autoritários, além de questionarem ferozmente os poderes judiciários e mesmo legislativos dos países.
Há um outro movimento conhecido como iliberais e nativistas. Esse grupo apresenta uma forte rejeição à independência do poder judiciário, do Estado de direito e das liberdades individuais. Além disso, são nativistas, já que defendem políticas duras contra a imigração e propõem uma distinção entre imigrantes e cidadãos nativos. Esse grupo está inserido principalmente na Europa das Nações Soberanas, mas há intersecção com outros grupos, como o Patriotas pela Europa.
Outro movimento de extrema-direita é o Patriotas pela Europa. Com 86 deputados, é uma das maiores bancadas do Parlamento Europeu. É composto pelo francês Rassemblement National, o Fidesz húngaro de Viktor Orban, o italiano Liga, de Matteo Salvini, o partido espanhol Vox, de Santiago Abascal e o FPÖ austríaco de, Herbert Kickl. Além de extremistas, são também populistas. É o discurso de uma visão binária da sociedade, que coloca de um lado a elite corrupta e do outro o povo, representado como puro e homogénio.
E por fim, alguns partidos do grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus podem ser classificados como de direita radical. Com 78 eurodeputados, o grupo é constituído pelo Fratelli d'Italia, de Giorgia Meloni, e pelo partido polaco Lei e Justiça, de Jarosław Kaczyński. Essa turma estabelece a autoridade como valor supremo, com traços do nativismo em oposição à imigração.
Há muitas convergências entre esses movimentos. Além do combate à imigração, são geralmente nacionalistas, protecionistas, soberanistas, eurocéticos e conservadores. Embora possam ser classificados como extremistas de direita, a maioria rejeita esse rótulo.
Voltando então à pergunta, mas afinal, qual é o plano dessa gente? Não é apenas um plano, mas muitos, podemos dizer. O primeiro, naturalmente, é chegar ao poder. Em seguida, o plano é terra arrasada. Mudar políticas de imigração, mudar regras na economia, mudar até convenções sociais – para tentar levar a sociedade de volta ao conservadorismo – e estabelecer um forte discurso de consolidação do nacionalismo. E para isso o instrumento principal a ser utilizado é a internet. Esses grupos têm fortes raízes nas redes sociais da surface web e na utilização da deep web e, em ambos, usam para propagação de discursos de ódio, além da disseminação de desinformação e fake news.
Portanto, estamos em uma guerra, onde possivelmente haverá muitos desdobramentos em um breve período. O que podemos fazer é repelir fortemente esse tipo de discurso, fazendo contraponto e defendendo sempre o Estado de direito, o pluralismo e a democracia. Embora até alguns desses conceitos estejam sendo apropriados pelos extremistas de direita, é preciso dizer que será por esse caminho de luta e de defesa da democracia que a sociedade poderá repelir e dizer um não definitivo a esses grupos totalitários que, em outros períodos da história, comprovaram-se falidos e incompetentes.
Luis Fernando Assunção, jornalista e professor de Comunicação

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